segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Á VOCÊ...





Era você quem estava deitado ao meu lado quando o telefone tocou. Nem em sonho eu poderia ser criativa o suficiente para pintar uma situação tão estranha. A vida agora escancarava sua ironia e zombava dos que um dia a levaram a sério demais.


Eu ignorei a primeira chamada, e fiz o mesmo com a segunda. Friamente, como a sua cara espantada pôde constatar. Você não falou nada, mas mudou imediatamente, e embora mudo, me deu pistas óbvias de seus pensamentos mais profundos.

Senti seu abraço ficar mais forte, e seu lábio ficar mais rígido. Seu corpo exalava a contradição de suas opiniões, e você se concentrava em não desabar. Na terceira chamada atendi. E enquanto olhava a sua mão repousada sobre o meu corpo nu, dei satisfações mentirosas a outro homem.

Sua cara ganhou uma expressão que eu desconhecia. Eu tive medo de você gritar, mas desliguei o telefone com calma e passei a mão em seu rosto de um jeito sereno, quase maternal.

Quantas dúvidas devem ter surgido para você nesse momento. Será ela foi assim comigo também? Será que tudo não passou de uma grande mentira? Será que fui enganado como o babaca que ligava sem parar? Ah meu amor, quanta bobagem... Eu até queria te responder, mas não podia. Você precisava ser atormentado por todas essas inseguranças, vindas assim, de uma vez só. Você precisava experimentar o amargo veneno da dúvida, e se ver corroído por cada inquietação. Precisava cair desse patamar mais alto do qual eu te coloquei. Devia livrar-se dessa segurança toda, que nunca foi tua, mas que eu fiz questão de embrulhar para presente e te dar.

Mas como eram bobas as suas dúvidas, assim como as minhas devem ter sido por tantas outras vezes. Para quem sabe da verdade,a resposta é sempre evidente, e era espantoso que dessa vez você não pudesse me decifrar.

Nada foi em vão meu bem, te amei com toda a verdade que possuí. Fui pura em cada gesto, fui sincera em cada exagero, fui sua e só sua, com uma intensidade que não conseguirei repetir com mais ninguém.

Acontece que o tempo passou, e os últimos anos correram pra mim com um sabor mais amargo do que o de costume. Era o sabor da maturidade que chegava sorrateira e não pedia licença para entrar.

Nunca quis me livrar de você. Nem no auge da minha dor e raiva consegui desejar que o meu amor submergisse. Sabia que junto com ele iria embora a minha ingenuidade, a minha fé inabalável, a minha pureza, e infelizmente até a minha doçura natural.

Mas como eu disse, o tempo passou, e sem que eu notasse levou com ele o amor que eu sentia, e as marcas de uma adolescência tardia que eu teimava manter. Eu conheci outros homens. Experimentei outros toques, outros cheiros, outros sabores... Alguns foram ruins, devo confessar, outros ainda melhores que os toques cheiros e sabores que eu idolatrava em você. Mas esses homens todos, me viam como uma mulher adulta, e você nunca conseguiu me enxergar assim.

Uma mulher, era o que eu havia me tornado, e era essa mulher que você conhecia agora, deitada ao seu lado na cama de um quarto escuro de motel. Não mais uma menina viciada em seus defeitos, não mais uma dependente de seu carinho, não mais uma mendiga de qualquer sinal de afeto. Agora uma mulher segura, experiente, decidida, nem melhor nem pior, apenas completamente diferente.

E por que eu estava ali? Tanto tempo depois, puxando do passado essa sensação desconfortante? Não sei. Talvez para que você pudesse perceber o quanto foi burro por perder o meu amor, talvez para ter certeza de que era impossível darmos certo daquela maneira. Talvez apenas para ter a nostalgia de um sabor que eu não encontro mais, ou ainda para provar a mim mesma que eu não sinto mais o que eu sentia por você.

Sinceramente não sei. Mas eu estava lá, e você também, e eu era outra e você notou.

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